Ela tinha uma estatura média, cabelos amarelados, bagunçados, nem ondulados, nem lisos. Uma mistura de roupas de lã com tênis-de-última-geração, e, o principal, uma cara de confusão, in-con-fun-dí-vel. Observava tristemente um pedaço de torta de frango, não sei se o comia ou se só o tinha ali para disfarce. Pois fome, parecia não ter. Olhava do relógio na parede para o celular,do celular para a TV, e da TV para os funcionários, zanzando de um lado para o outro, comentando o futebol quando se cruzavam na copa.
Eu sei bem o que acontecia com aquele pedaço de coração aflito. A pobrezinha estava na espera, conheço bem este tipo. Era tomada por angustia, desespero, cerrava os dentes, arranhava o garfo no prato, batia o pé no chão.
Minha vontade era me levantar desta mesa confortável, deixar meu café frio de lado, e contar para ela: que isso não vai levar ela a nenhum lugar, que ela tem que tirar esse peso das costas, antes que desabe tudo sob o seu corpo frágil, que a aflição é para os corações dos fracos, os corações fortes não se permitem tal ousadia. Que antes, quando me permiti ser tomado por tais gasturas, quase me perdi, nessa tentativa diária de se encontrar. Contaria para ela que a vida é mesmo feita de desencontros, que quem sabe, viram encontros, que muita coisa se perde nas traduções.
Que o melhor é esquecer. Fingir pra si mesmo que tal cólera não existe, e fingir tanto e tão bem, até o ponto onde seja de verdade. Onde o fingimento vira realidade, e o esquecimento vai ter vez, o brilho eterno de uma mente sem lembranças é uma pequena benção, um presente que se tira do resultado de tanta expectativa.
Pois bem, levantei-me e fui em direção ao caixa. Paguei meu café e abandonei ali aquela alma perturbada, que eu tanto conhecia. Talvez covardia, não sei. Talvez a conformação de que ninguém pode fazer nada por ninguém, é cada um por si, não adiantam os conselhos para os que não querem ouvir, cada um precisa da sua experiência.
Penso que deveria ter ido para que ela soubesse que não está sozinha. Que neste mundo louco, todo mundo ora beira o abismo, ora salta dele com um paraquedas. Tenho a esperança tristonha de que ela não se acabe ali, naquela torta deprimente, naquela tarde morna. Sorrio, e abandono aquela padaria cinzenta, deixando um pedaço de mim para ela, talvez o número do telefone, para que me ligasse se sentisse tal vontade.
Um comentário:
Também sei. =)
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