domingo, 13 de março de 2011

Sobre a nova dança

E aí, quando já tinha desistido de tudo, assumido que o coração era fraco e cada batida era um soco, que não podia negar mais o que ela era realmente, que a dor da admissão daquele amor pobre, amor sujo, amor doentio, amor alcóolico e que fedia à cigarros, era mais amena do que a dor de estar sozinha, ele apareceu.
E de tão brusco, o susto fez com que perdesse a pose e desequilibrasse. Passou dias e dias tentando entender, então não era mais uma pobre coitada? Então, ainda havia esperança? E ficava de um lado pro outro tentando entender o que estava errado, as coisas não podiam dar certo para ela, não assim tão repentinamente, e depois de ter esperado tanto. E quando entendeu, sorriu. "Dessa vez, quem sabe..."
Há sempre um fiasco de esperança. Eis que começa a dança.
Foram dias loucos. Foi invadida de prazer gratuito por todos os lados, ela era amada, e por isso amava todos, e todos a amavam por ela amar a todos. Os dias eram tão quentes, conseguia sentir todos os dias o sol explodindo e explodindo e explodindo... explosões incessantes, avalanches por todos os lados, e aquela brisa tão leve... se jogou de cabeça e ria, quase em desespero, ria o tempo todo, ria te tudo, até as desgraças eram bonitas. Então era assim que era se apaixonar? Já havia esquecido, não tinha certeza se esse era o sentimento.
Ela queria agradecer. Não sabia como. Ficou tão recheada de gratidão, saturada de gratidão. Passou dias e dias ouvindo aquele mesmo som que ele cantou, de novo, de novo, de novo e de novo.
"O que me encanta é sua intensidade. Esbanjo e mergulho nela."
E crescia, crescia o tempo todo. Amava a invasão dele nela. Ela aprendeu a gostar do sorriso dele, das mãos dele, das mãos dela na dele, da voz, as costas, as pernas, as rugas. Gostava peculiarmente da risada estranha que ele dava quando não estava prestando atenção na conversa fiada dela. Ela falava tanto o tempo todo, não conseguia parar de falar, contou de todas as conquistas mesquinhas, as desgraças sem graça alguma, os livros, as músicas, as pessoas, as manias, as virtudes e os vícios. Queria que ele entrasse em todo o passado dela.
E bem no meio da dança, quando ela já sabia o gingado e os próximos passos, o ritmo mudou bruscamente. Completamente desnorteada, ela não soube o que fazer e estancou. Olhou e tentou entender, quem fez isso? O que aconteceu? Não era para ser assim, não era, não era! Ficou ali, parada, e esperou, coisa pouca, devia mesmo ser uma besteira, algum problema no aparelho, a música ia voltar ao normal em poucos segundos e a dança ia voltar. Esperou, esperou. Queria ela mesma ir lá e resolver tudo, mas não sabia como. Esperou. Algo mudou na atmosfera, o ar pesava de novo, a brisa se desfez. Esperou e esperou. De tanto esperar se cansou, e foi atrás, meteu a cara e procurou a resposta.
Caiu diretamente no chão, machucando a si mesma gravemente. Sangrou, ali, tudo que tinha pra sangrar. Gostava da sensação de vazio que ia tomando conta dela, era quase um alívio imediato, mas no meio desse deleite sentiu o coração pesando, e doendo de tão pesado, de tanta coisa que tinha ali guardado, preso.
E a única coisa que pensava era em como fazer para o ritmo voltar e ela poder continuar a dança.

Um comentário:

Felipe Mandu disse...

Boas saudades. Belo texto. Ainda bem que você aparece por aqui.