terça-feira, 27 de julho de 2010

História


Entrei sem fazer barulho. Da janela radiava uma luz violeta, deixando o mistério pairar sutilmente sob a sala. Sentia meu coração mais alto que meus passos,e tentava silenciá-lo com meus pensamentos, resultando numa confusão de sons atordoante. Segui, mesmo assim: muito tarde para voltar atrás... era proibido, era ousado, era doentio, e eu sabia desde o começo, e desde o começo eu planejava como seria.
Cheguei ao pé da escada, e o primeiro piso quase voou pela garganta: degraus de aço. Hei de ser suave.
Foi aí que aconteceu: aflição, nostalgia, a sensação do que estava por vir me deu o reboliço, a vontade de chorar, de gritar, de escambar, de fazer tudo, desfazer-se: e isto demonstrou-se bem mais difícil do que continuar. Faltava pouco. Mais quinze degraus, depois era  carpete, e quem iria acordar? Eu estava sendo meticuloso. Abriria a porta do quarto sem problemas, ela não estaria trancada, eu sei, sempre soube, sempre foi assim.
E dentro de mim, cantava: pela falta de descanso, pela falta de limite. Por ter me perturbado o sono, pelos tremores. Pelos choros, pelo aperto no peito, por ter me feito mendigo, feito implorar.
Sim, o quarto estava aberto. A porta deslizou para a esquerda, foi como se eu não a empurrasse e sim ela se empurrasse para mim. E dentro do pequeno quarto, uma luz mais intensa deitava, logo em cima dela. Ajoelhei-me distintamente no parapeito da cama  senti o sono profundo em que se encontrava:os sonhos dela eram sempre bons  (nunca tinha pesadelos).
Passei muito tempo observando-a. Ela era bonita, a combinação da luz entre as frestas da janela com a pele do seu rosto fazia dela delicada, como porcelana. A inocência do sono deixava-a infantil. Ela, eu sei, dormiria eternamente, se pudesse.
A respiração dela me deixava surdo. Tinha esquecido do meu coração, era ela tomando conta de mim mais uma vez, ultima vez.
Escolhi um momento x e fiz o que tinha de ser feito. Sei que ela não sentiu, talvez no sonho dela um mosquitinho a incomodava, mas só, e só de mosquitinho teria de se contentar.Ela nem ao menos se mexeu. Pareceu continuar sonhando, e voltei a deixa-la ali, não me sentia mais leve, não me sentia melhor, nem aliviado. Mas uma obsessão teve fim.

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