terça-feira, 3 de julho de 2012

De uma parede à outra.

Cecília acabou por se acostumar, finalmente. Seus dias empoeirados começaram a mudar as caras. 

Era verão, e no verão os adultos gostavam de mudar de casa.
Mudou-se fazem seis dias apenas, mas seis dias para quem se tem dez anos é como uma eternidade inteira - do começo ao fim - nada para fazer, ninguém para brincar, nada de brinquedos, nada de nada. Estava tudo empacotado, todos eram estranhos, era só aquela poeira sem fim e uma casa vazia. 

Havia uma cama - a sua cama - onde afundava-se para observar o teto, e a luz do sol que projetava da janela um desenho peculiar, pois a janela era peculiar. Era uma grade disfarçada de ornamentos bonitos, mas Cecília sabia que na verdade eram grades. Depois de um certo tempo observando, Cecília percebeu que o desenho se movia, lentamente. "É o sol que está rodando" - pensou, lembrando das aulas de Geografia - " O sol passa o dia todo girando, sem parar, o giro dele tem um nome... rotação, arrotação, alguma coisa assim". 

Nos três primeiros dias, Cecília odiou aquela casa. Chorava por todos os cantos, como forma de protesto. Não apoiava aquela mudança de modo algum. Mas ninguém se importava com a opnião dela, ela já sabia que era muito nova para tomar grandes decisões. Sabia, mas não acreditava nisso. Chorava e gritava, e até se fingia de morta para ver se alguém se sentia culpado de a ter colocado naquele lugar. Nada resultou, porém. 

No quarto dia, ela começou a explorar a casa nova. Os móveis ainda não tinham chegado, então ela tinha muitas paredes para olhar. E olhou todas elas, uma por uma. Estavam todas impecavelmente brancas. E todos os pisos também. Eram todos frios, e ela gostou, pois sentia muito calor. Ficava deitada no chão, refrescando-se. 

No quinto dia, chegaram as primeiras caixas. Alguns móveis esconderam as paredes brancas, e tapetes cobriram o chão frio. Ela podia ficar com os plásticos-bolha, e essa felicidade durou algumas boas horas. Também guardou algumas caixas de papelão, na esperança de encontrar uma tesoura e poder fazer alguns recortes. Foi acompanhar as últimas caixas chegando na rua, quando, sem querer, viu na casa do vizinho o que precisava para acabar com o tédio: um gatinho. Um gatinho cinza, com patinhas brancas como sapatinhos e olhos verdes. Era disso que precisava para animar seus dias. Assim teria alguém para brincar, explorar a casa e observar o sol deitada na cama. Se fosse um bom gatinho, podia até construir uma casa para ele com as caixas da mudança.
Os adultos surpreendentemente concordaram. "Um gato não faz mal - são bem quietos" comentou um deles.  E prometeram a Cecília que trariam logo no dia seguinte, já que o dia seguinte era sábado. 

E então, o sexto dia chegou e ela esperava afundada na cama os adultos chegarem. Listava mentalmente tudo que teria que preparar quando o gatinho chegasse: precisaria de brinquedos, roupas e uma casa. Ela faria tudo. Naquele momento, percebeu que o sol se movia mais lentamente ainda que o normal -"Preciso perguntar ao professor se isso é normal. Ontem o sol se movia em uma velocidade e agora está muito mais devagar. deve estar doente ou cansado." - e quando finalmente o sol passou de uma parede para outra, os adultos chegaram. E traziam o gatinho... mas não tinha patinhas brancas e não era cinza.

2 comentários:

Felipe Mandu disse...

Essa história precisa de um outro desfecho. Está muito fofinha para acabar assim.

ou as vezes eu to sentindo ausência de bedelho de moral.
Tipo ela não curtiu o gatinho, mas aprendeu o amar depois. Pois devemos amar o que temos

Ou ela não curtiu o gatinho. a vida é cheia de decepção para crianças.

Tá muito documental, mostrou e tchan, não teve enfoque.

Não que seja ruim. É que eu estava imaginando um livro infantil com essa história, e sem final de livro infantil, aquele amarrando os fios, fica estranho.

Isa disse...

Eu não terminei, eu vou continuar. É a personagem de um roteiro que estou escrevendo. Tenho um próximo passo pronto aqui, só estou esperando aquela inspiração quando não sobra outra opção ;)