Cecília passou dias e dias entretida em fazer as coisas para o gatinho. Com as caixas da mudança fez uma casa e a pintou de azul, sua cor preferida. Estava tentando fazer com que o gatinho gostasse de azul também, assim teriam gostos em comum. Pensou por três dias inteiros sobre o seu nome.
Ficou em dúvida entre Gabriel, Hugo e Enzo. Gabriel era o seu melhor amigo da escola, ela queria fazer uma homenagem. Mas um dos adultos disse que Gabriel não é nome de bichinho, então ela partiu para Hugo. "Hugo é nome de duende" alguém disse, e ela não gostava muito de duendes porque pensava que eles aprontavam coisas pela casa, e ela não queria que as pessoas culpassem o gatinho pelos acidentes da casa. Quando sugeriu Enzo ninguém comemorou, mas também não disse que era um mal nome. Enzo era um nome que ela gostava, mas não se lembrava por quê. Então ficou Enzo. Ela pintou na parte de cima da casa dele o seu nome em tinta preta.
Cecília decidiu fazer retratos para colocar dentro da casa de Enzo. Assim ele não se esqueceria de ninguém da casa, caso a memória dele não fosse tão boa quanto a de um elefante.
Desenhou primeiro ela mesma, com uma tiara azul (gostava muito de tiaras), e um vestido vermelho. Escreveu seu nome em baixo, assim Enzo associaria o nome ao retrato.
Desenhou Margarida, com seus cabelos cacheados até o ombro e seus olhos cor de mel. Não encontrava um lápis cor de mel, então usou o bege. A cor preferida de Margarida era amarelo, então sua roupa levou a mesma cor. Margarida ainda não era adulta, mas estava mais próxima de ficar do que Cecília.
Desenhou Dália, com seu cabelos negros e rosto redondo.Sua roupa levou a cor preta, pois ela dizia que preto era elegante. Era um dos adultos, e sempre estava sorrindo ou gritando.
Desenhou, por fim José, que ela tentou desenhar com uma camisa xadrez, em vermelho e azul. Ele estava sempre sério, então Cecília o desenhou sério também. Ele era o mais velho dos adultos.
Colou todos os retratos na casa de Enzo. Também pendurou uma bolinha, pois tinha notado que Enzo gostava de brincar com coisas que ficavam penduradas. Deixou para fazer suas roupas quando chegasse o inverno. Os pelos dariam conta de protegê-lo.
Finalmente as férias chegavam ao fim, e Cecília voltaria para a escola. Uma escola nova. Apesar de não gostar de férias, também não gostava de ir pra escola. Mas estava se esforçando para gostar.
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segunda-feira, 9 de julho de 2012
terça-feira, 3 de julho de 2012
De uma parede à outra.
Cecília acabou por se acostumar, finalmente. Seus dias empoeirados começaram a mudar as caras.
Era verão, e no verão os adultos gostavam de mudar de casa.
Mudou-se fazem seis dias apenas, mas seis dias para quem se tem dez anos é como uma eternidade inteira - do começo ao fim - nada para fazer, ninguém para brincar, nada de brinquedos, nada de nada. Estava tudo empacotado, todos eram estranhos, era só aquela poeira sem fim e uma casa vazia.
Havia uma cama - a sua cama - onde afundava-se para observar o teto, e a luz do sol que projetava da janela um desenho peculiar, pois a janela era peculiar. Era uma grade disfarçada de ornamentos bonitos, mas Cecília sabia que na verdade eram grades. Depois de um certo tempo observando, Cecília percebeu que o desenho se movia, lentamente. "É o sol que está rodando" - pensou, lembrando das aulas de Geografia - " O sol passa o dia todo girando, sem parar, o giro dele tem um nome... rotação, arrotação, alguma coisa assim".
Nos três primeiros dias, Cecília odiou aquela casa. Chorava por todos os cantos, como forma de protesto. Não apoiava aquela mudança de modo algum. Mas ninguém se importava com a opnião dela, ela já sabia que era muito nova para tomar grandes decisões. Sabia, mas não acreditava nisso. Chorava e gritava, e até se fingia de morta para ver se alguém se sentia culpado de a ter colocado naquele lugar. Nada resultou, porém.
No quarto dia, ela começou a explorar a casa nova. Os móveis ainda não tinham chegado, então ela tinha muitas paredes para olhar. E olhou todas elas, uma por uma. Estavam todas impecavelmente brancas. E todos os pisos também. Eram todos frios, e ela gostou, pois sentia muito calor. Ficava deitada no chão, refrescando-se.
No quinto dia, chegaram as primeiras caixas. Alguns móveis esconderam as paredes brancas, e tapetes cobriram o chão frio. Ela podia ficar com os plásticos-bolha, e essa felicidade durou algumas boas horas. Também guardou algumas caixas de papelão, na esperança de encontrar uma tesoura e poder fazer alguns recortes. Foi acompanhar as últimas caixas chegando na rua, quando, sem querer, viu na casa do vizinho o que precisava para acabar com o tédio: um gatinho. Um gatinho cinza, com patinhas brancas como sapatinhos e olhos verdes. Era disso que precisava para animar seus dias. Assim teria alguém para brincar, explorar a casa e observar o sol deitada na cama. Se fosse um bom gatinho, podia até construir uma casa para ele com as caixas da mudança.
Os adultos surpreendentemente concordaram. "Um gato não faz mal - são bem quietos" comentou um deles. E prometeram a Cecília que trariam logo no dia seguinte, já que o dia seguinte era sábado.
E então, o sexto dia chegou e ela esperava afundada na cama os adultos chegarem. Listava mentalmente tudo que teria que preparar quando o gatinho chegasse: precisaria de brinquedos, roupas e uma casa. Ela faria tudo. Naquele momento, percebeu que o sol se movia mais lentamente ainda que o normal -"Preciso perguntar ao professor se isso é normal. Ontem o sol se movia em uma velocidade e agora está muito mais devagar. deve estar doente ou cansado." - e quando finalmente o sol passou de uma parede para outra, os adultos chegaram. E traziam o gatinho... mas não tinha patinhas brancas e não era cinza.
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